segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

TEXTO DE 2015, REVISITADO E PUBLICADO NO BLOG DA ABCEM

"A irracionalidade de uma coisa não é argumento contra a sua existência, mas sim uma condição para ela."

(Nietzche)

Essa frase, que achei por acaso ao procurar outra, reflete exatamente o que estou vivendo neste momento.

Há 9 anos convivo com a esclerose múltipla e em meados de 2015  ela resolveu acordar com força total. Estava naquele momento com três lesões novas no meu cérebro e com outras duas placas antigas em atividade. A questão é que sempre levei tudo na brincadeira, não por ser forte como muitos pensam, mas, por ser fraca demais e incapaz de encarar a doença. Foi por isso que sempre a NEGUEI!

Fato é que sem sentir muito bem as pernas e estando extremamente tonta, percebi que a esclerose resolvera acordar e que a luta havia começado! Podia ser que a cortisona resolvesse o surto e eu ficasse bem de novo, mas, até quando? E podia ser que também não resolvesse! O ponto é que eu precisava, mais do que ninguém, entender e aceitar o caráter finito de toda e qualquer vida. JAMAIS compreendi e acho que por isso fico sempre desesperada de pensar em como todos os que gostam de mim viverão sem a minha presença e ou, lidarão com uma possível futura invalidez. Na verdade, já me sinto um pouco inválida por não conseguir fazer tudo o que fazia. Por não conseguir não ficar tonta! Por sentir um cansaço atroz e uma preguiça que advém da fadiga e da depressão!

Não serei hipócrita de dizer que fiz tudo o que queria na vida. Na verdade, sempre falta algo e essa é a  graça da existência que conscientemente enxergo, mas que não consigo aceitar intrinsecamente.

Queria ter outro filho, ter mais dinheiro para sustentá-lo e queria viajar mais por aí (vencendo o medo de avião). De resto, eu não QUERO mais NADA! Mas, infelizmente, todas essas coisas naquele momento já não eram possíveis ou, ao menos, não prudentes.

Então, lidando com o que era plausível: o que queria era que a cortisona fizesse efeito, mas, se por acaso não fizesse, eu gostaria apenas que todos se lembrassem da Liane que conheceram até 2013. Quando comecei a me sentir muito tonta e aos poucos fui piorando Não queria a pena de ninguém, sobretudo se eu não morresse, mas, entortasse! Pessoas "tortas ou abobadas" ainda são pessoas e merecem dignidade. ISSO PARECE ÓBVIO, eu sei! Mas na prática não é fácil! Eu, hoje, esclerosada há 9 anos, estou aprendendo ainda a lidar com meus colegas esclerosados e cadeirantes do Hospital do Fundão e eu digo NÃO É FÁCIL! QUE VERGONHA DE MIM, POR ISSO!

Pode ser que demore pra isso acontecer ou que NUNCA aconteça. Mas a morte é certa pra todos e peço a vocês que reajam da mesma forma. Que reajam naturalmente, pois a morte deve ser natural. Ela é a única certeza da vida!

Não quero interjeições do tipo: "Ela era TÃO jovem!" "ela lutou tanto e não adiantou!" "Que tristeza!" "Coitado do filho dela!" E tampouco quero meus amigos e minha família tristes. Pelo contrário, quero uma bela  festa com um bom samba e quero que cuidem/acompanhem o Lucas sempre com felicidade porque  ele é muito alegre e merece seguir assim!

Naquela época comecei a escrever porque a  doença me faz refletir. Na verdade,  a doença me dá  algo que muitos de  nós não valorizamos: a esclerose e a possibilidade de ficar ruim a  qualquer momento me dá a chance e a garra pra aproveitar cada segundo, mesmo que passando mal (tonta, com dor, sem sentir os braços e pernas) como se fosse o único,  o último bom e são! Eu não gostava de fotos. Agora, as amo! Elas  ficam pra posteridade. Elas captam a  essência dos momentos! A esclerose, sobretudo, me dá múltiplas possibilidades de agradecer, de me despedir e de dizer te amo a todos que desejo e, da mesma forma, de receber isso das pessoas que gostam de mim! Minha avó morreu há 3 anos e fico triste de não ter ido vê-la. Ali comecei a entender verdadeiramente o que está culminando nesse texto! Que tudo passa, a gente também passa! A questão não tem que ser a morte e sim a força e a vontade com que se vive!

Em 2015, parei e chorei 5 horas sozinha dentro do quarto e parece que consegui progredir mais do que em anos de EM e terapia. Acho que finalmente entendi que  existem coisas que não são controláveis e que morrer ou entortar não é derrota alguma e, sim, fatalidade! SE E QUANDO ISSO OCORRER, A CULPA NÃO VAI SER MINHA! Eu não vou ter perdido a guerra, mas sim, ganhado anos de batalhas.

Uma vez... o chefe do meu chefe (grande homem) me disse: "você pode até morrer da doença, mas não pode deixar ela te vencer!" E é por isso, que tonta ou não, triste ou não, sozinha ou não, vou viver até o FIM! É assim que quero que as pessoas me vejam! Sem pena! E que saibam que eu não guardo rancor e ressentimento de NINGUÉM! Assim eu me despeço e vou curtir a noite, porque a vida segue e o tempo não pára!

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