domingo, 12 de fevereiro de 2017

EM: O reverso da Medalha... (um texto a quatro mãos)

Minha vida sempre foi atribulada: adolescente questionadora, uma escolha profissional que infelizmente, neste país, me trouxe até agora poucas opções de satisfação profissional e conforto material, um relacionamento pessoal do qual surgiu meu tesouro Lucas, mas que depois de consumir minha autoestima e amor próprios por muitos e muitos anos, agora acabou... e como condição de contorno, a EM, e tudo que ela representa na minha vida!

Recentemente, conheci uma pessoa que hoje é meu namorado, que mesmo antes do  primeiro beijo já sabia da EM e nunca pareceu se importar com isso.  Não foram poucas as vezes em que tentei afastá-lo com frases do tipo "tá preparado para empurrar minha cadeira de rodas?" ou "você nunca vai saber como me sinto, então não me julgue".  Óbvio que brigas acontecem, algumas desagradáveis, mas estamos juntos por um sentimento que ainda não tem muitas palavras e explicações associadas...

Uma das coisas que ele me fala é que eu coloco a EM no centro da minha vida.  Que eu monto minha vida no "dado que eu tenho EM...", enquanto eu devia pensar "apesar de eu ter EM...".  Toda medalha tem dois lados, mas sempre tem aquele mais bonito, que chama mais atenção, e que escolhemos colocar como o lado visível para quem quiser observar... inclusive nós mesmos...

E nesse pouco, porém intenso tempo em que estamos juntos, vejam só, já tenho vários apelidos! Ele me chama de "maluquinha predileta".  Eu nunca me importei, porque me acho meio maluquinha mesmo... "Maluco" é uma palavra preconceituosa, mas na verdade ela, para nós esclerosados, nada mais deveria significar que assumimos riscos em nossas vidas que podem ser anti-naturais, mas que dada a fragilidade da existência humana, podem nos aproximar da vida que vale a pena ser vivida.  Não há problemas em "esticar a corda" desde que possamos responder por nossos atos.

Também, meu nível de estresse no dia a dia e meu hábito de pensar pouco antes de falar me renderam outro apelido: "Lili Alfinete".  Na verdade, é impressionante como podemos fazer a vida sorrir para nós de volta se sorrirmos para ela.  Palavra dita não volta pra boca e banalizar o uso da palavra desculpa não ajuda em nada.

A EM nos apavora pela sua capacidade de nos tirar do prumo, pois até a unha encravada pode ser vista como alguma coisa supostamente grave que começou a dar errado no nosso organismo.  Mas, se temos passe livre em diversas coisas práticas da nossa vida (bem, eu não pago ônibus), essa mesma liberdade deve ser usada para a felicidade de quem amamos e não para que "tenhamos o direito" de falar e fazer o que quisermos...

Por fim, a tal da ansiedade, a doença que tanto incapacita o ser humano, que na EM é potencializada pela ainda maior imprevisibilidade do comportamento do nosso organismo. Infelizmente, por uma dessas coincidências da vida, controlar a ansiedade com remédios, para mim, não é uma opção... (só um dos meus rins funciona bem) então eu choro, Choro, CHORO! Tenho raiva, tenho medo, e talvez dê menos valor às pequenas alegrias do que deveria, pois os "monstros adormecidos" da dor e da incapacitação podem acordar a qualquer momento e, por isso, devoto a essa "gestão do medo" muita energia, que acaba faltando para outras coisas.  Ou, como diz meu namorado, sou que nem o esquilinho do filme "Deu a louca na chapeuzinho", que de tão ansiosa e, às vezes, confusa, querendo estar sempre a frente do meu (escasso) tempo, somente me sinto compreendida por quem me ama (no caso do filme, pasmem: é o Lobo Mau...).

Finalmente, estou na fase de transição da minha vida pessoal, na qual toda a rotina está sendo bastante modificada e para a EM, muitas vezes, mudanças significam "ah não, algo mais pifando no meu organismo".

Não precisa ser assim... Hoje alguém tenta me mostrar que temos nossa vida por empréstimo Divino e que a única forma de ter sucesso nessa empreitada é tendo o controle dela, apesar de...

Pois é! APESAR DE parecer, não fui eu que escrevi essas palavras e apesar dele não ter me pedido para dar-lhe créditos (dizendo que o texto era meu, dado que eu era/sou a musa), foi meu namorado quem escreveu esses parágrafos com um nível de sensibilidade quase assustador (se eu fosse normal, acho que teria saído correndo).

Fui, então, obrigada a aceitar que algumas pessoas especiais têm muita capacidade de entender como nós esclerosados nos sentimos, ainda que não sintam também. E nesse ponto vale pensar que se por um lado elas não podem sentir por nós, por outro, podem nos AJUDAR a carregar as "malas pesadas e sem rodinhas"!

O que venho percebendo, a duras penas (e graças à paciência e resiliência quase infinitas dele), em meio as já mencionadas brigas, é que não posso querer um "carregador automático de malas", ou uma "muleta que ande por mim"! Isso jamais daria certo (como não deu nos últimos 10 anos e muito por culpa minha). Ninguém, por mais que me ame, será capaz de viver minha vida plenamente e melhor do que eu mesma. JUSTAMENTE PORQUE ELA É MINHA! E temos obrigação moral de sermos a melhor versão de nós mesmos porque a vida é muito curta para se apequenar e pelo simples fato de que: somente NÓS podemos fazê-lo!

Em relação à mudança de rotina, preciso dizer que foi quase como a "bomba de Hiroshima"! Esse ano troquei meu filho de escola, o tirei do integral, me separei recentemente, tive brigas exorbitantes com minha família, "pequenas" questões no trabalho (como estar com salários atrasados e parcelados que nem casas Bahia, rsrs) etc! E a vida dele também não anda nada fácil!

E, nesse ponto, vale destacar o fato de que ainda que haja um ANJO (porque posso ser "esquilinho", mas ele JAMAIS será "lobo mau") me apoiando e sendo a grande força impulsionadora que me tirou da inércia, a continuidade do movimento e novos passos vêm sendo dados por mim mesma e, por vezes, SOZINHA! Hoje, mãe solteira (namorando), esclerosada e vivendo um dia de cada vez!

Tentando olhar o queijo EM vez dos buracos, o copo meio cheio, o mundo colorido! Tentando boiar calmamente, EM vez de me afogar! Tentando viver, APESAR DE TUDO, com a certeza e a fé (aquela fé que é só minha e poucos entendem) de que a vida dará certo, desde que eu siga SEMPRE motivada no meu caminho (com foco no prêmio), dando um passo de cada vez, pois direção e sentido importam muito mais do que velocidade!

"Porque metade de mim é amor, e a outra metade também!" (Oswaldo Montenegro), as duas metades são dele e viver "ao seu lado" (no melhor estilo Eduardo e Mônica) é uma dádiva tão grande que já julguei não merecer! Algo como um encontro de almas, que mesmo que não seja pra SEMPRE (pois sempre é muito tempo), terá sido eterno enquanto "durar"!

E fica a pergunta: se eu posso, por que não cada um dos que estão lendo? "YES, WE CAN!"

Porque não se trata apenas da forma como os outros nos veem, mas da forma que nos enxergamos! Não se trata apenas de namoros, mas de todas as relações! Se trata, sobretudo, de retomarmos as rédeas das nossas vidas, muitas vezes perdidas para a EM (ou até para outras coisas mais bobas...).

ANJO, DESCULPA, MAS EU TE AMO E MUITO... (aposto que só você irá entender!). Porque você é o melhor reverso da medalha do meu coração!

Liane Moreira
Bióloga

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

TEXTO DE ANO NOVO 2015/2016 - REVISITADO POR MIM...

“Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.”
(Autor desconhecido)

Vêm chegando o Natal e o fim de Ano! Para alguns tempo de beber e comer, para outros, tempo de orar/rezar e agradecer a Jesus e para tantos, tempo de sonhar com o Papai Noel e seus presentes!

Para mim, apenas: Tempo de refletir... E para aqueles que gostam de escrever, nada melhor e mais fÁcil para pensar do que revisitar um texto! Escolhi um que escrevi em Dezembro de 2015, publicado em meu blog pessoal, mas não na ABCEM. Naquela ocasião, disse para mim mesmA que 2016 seria o primeiro ano da Minha mudança...

“2016, meu ano de mudança! Não aquela mudança por fora da roupa nova ou da super maquiagem de ano novo! Mudança interna! Resgate de valores!"

Passamos o ano novo no interior de MG! Um dos anos novos com menos gente, com a ceia menos farta, com poucas expectativas! Afinal, o dia seguinte seria apenas o dia seguinte, ainda esclerosada e  em surto! Em outros anos da minha vida, certamente, julgaria como um réveillon triste. Mas, não foi isso!

Foi o ano mais farto de pensamentos positivos! Um ano sem maquiagem, sem roupa nova! Um ano com roupa colorida! Aliás, nunca vi tanta gente substituindo os clássicos branco (paz) e vermelho (amor) pelo dourado e amarelo “ostentação”, seguindo a ideia de espantar a crise econômica do país. Espero do fundo do meu coração (iludido) que todas essas pessoas queiram mais luz, mais energia, mais sol e renovação, não apenas dinheiro!

Um ano sem sapatos novos! Aliás, sem sapato algum. De pés no chão, na grama do quintal, acalmando os cães devido aos fogos de artifício! Um ano com Natal e Ano Novo com meu marido desembarcado e ainda viajando juntos (o que é raro!). Percebendo que quanto menos tento exigir da vida e programá-la milimetricamente, mais coisas recebo dela. Mais nuances sou capaz de perceber, mais paciência aprendo a ter. E, dando mais espaço ao acaso, melhor passo a me conhecer.

Um ano em que ouvi meu pequeno Lucas dizer: "Quero ver fogos. Não tenho medo, mamãe!" Ele já não é mais tão pequeno assim. Está crescendo e eu, dia a dia, com todas as dificuldades da esclerose, vou cumprindo minha missão. Não sou nem de longe a melhor mãe do mundo. Mas tento ser sempre a melhor que posso, mesmo abarrotada de defeitos.

Um ano da ceia (venerada pelos gatos) feita inteirinha pelo “mestre-cuca”, Rodrigo! Em que passamos a tarde já degustando cervejas e deliciosos bolinhos de bacalhau. Porque afinal, estar junto já é bom e divertido. Não precisamos esperar o momento oficial da ceia para celebrarmos em família. Sempre é hora de celebrar, mesmo sem todas as pompas e circunstâncias! Estas que, às vezes, nos desviam do verdadeiro foco do natal, do ano novo, da VIDA!

Um ano em que dormimos cedo, logo após estourar a champanhe da meia-noite. Champanhe que eu bebi no copo de requeijão e no gargalo da garrafa! Estou vivendo a vida cada vez mais preocupada com as essências do que com as aparências! Foi um Réveillon com uma bela e longa noite de sono. Não por tristeza, mas por entender que meu corpo está nesse ano precisando de verdadeiro descanso. Está precisando recarregar baterias e energias, e quanto antes isso ocorrer, antes, poderei voltar o melhor possível ao batente, às lutas diárias da minha vida esclerosada.

Além disso, aprendi a apreciar a manhã seguinte! De que vale apenas uma noitada isolada? Sei que MG não tem praia, mas, ainda precisávamos dar o primeiro mergulho do ano, favorecendo minha nova empreitada anti-esclerose, qual seja, dar um upgrade na minha vitamina D! E o sol...Ah o sol! Ele é ótimo para isso!

Fonte: acervo pessoal


Em 2016...eu quero caminhar...
com simplicidade...
buscando a serenidade...
por entre as dificuldades...
sobre as diferenças...
Caminhar SEMPRE
em FAMÍLIA!”


Em 2017, eu ainda quero a mesma coisa! Repetindo o que foi bom, e seguindo em frente, segundo após segundo, com a minha companheira EM. Modificando gradualmente o que não foi satisfatório, pois afinal, como afirmou  John F. Kennedy: "A mudança é a lei da vida. Quem só olha para o passado ou para o presente, perderá o futuro". E, sobretudo, tendo a sabedoria para identificar esses dois tipos de situação.

Venha 2017... com “Mais amor, por favor”!

TEXTO DE 2015, REVISITADO E PUBLICADO NO BLOG DA ABCEM

"A irracionalidade de uma coisa não é argumento contra a sua existência, mas sim uma condição para ela."

(Nietzche)

Essa frase, que achei por acaso ao procurar outra, reflete exatamente o que estou vivendo neste momento.

Há 9 anos convivo com a esclerose múltipla e em meados de 2015  ela resolveu acordar com força total. Estava naquele momento com três lesões novas no meu cérebro e com outras duas placas antigas em atividade. A questão é que sempre levei tudo na brincadeira, não por ser forte como muitos pensam, mas, por ser fraca demais e incapaz de encarar a doença. Foi por isso que sempre a NEGUEI!

Fato é que sem sentir muito bem as pernas e estando extremamente tonta, percebi que a esclerose resolvera acordar e que a luta havia começado! Podia ser que a cortisona resolvesse o surto e eu ficasse bem de novo, mas, até quando? E podia ser que também não resolvesse! O ponto é que eu precisava, mais do que ninguém, entender e aceitar o caráter finito de toda e qualquer vida. JAMAIS compreendi e acho que por isso fico sempre desesperada de pensar em como todos os que gostam de mim viverão sem a minha presença e ou, lidarão com uma possível futura invalidez. Na verdade, já me sinto um pouco inválida por não conseguir fazer tudo o que fazia. Por não conseguir não ficar tonta! Por sentir um cansaço atroz e uma preguiça que advém da fadiga e da depressão!

Não serei hipócrita de dizer que fiz tudo o que queria na vida. Na verdade, sempre falta algo e essa é a  graça da existência que conscientemente enxergo, mas que não consigo aceitar intrinsecamente.

Queria ter outro filho, ter mais dinheiro para sustentá-lo e queria viajar mais por aí (vencendo o medo de avião). De resto, eu não QUERO mais NADA! Mas, infelizmente, todas essas coisas naquele momento já não eram possíveis ou, ao menos, não prudentes.

Então, lidando com o que era plausível: o que queria era que a cortisona fizesse efeito, mas, se por acaso não fizesse, eu gostaria apenas que todos se lembrassem da Liane que conheceram até 2013. Quando comecei a me sentir muito tonta e aos poucos fui piorando Não queria a pena de ninguém, sobretudo se eu não morresse, mas, entortasse! Pessoas "tortas ou abobadas" ainda são pessoas e merecem dignidade. ISSO PARECE ÓBVIO, eu sei! Mas na prática não é fácil! Eu, hoje, esclerosada há 9 anos, estou aprendendo ainda a lidar com meus colegas esclerosados e cadeirantes do Hospital do Fundão e eu digo NÃO É FÁCIL! QUE VERGONHA DE MIM, POR ISSO!

Pode ser que demore pra isso acontecer ou que NUNCA aconteça. Mas a morte é certa pra todos e peço a vocês que reajam da mesma forma. Que reajam naturalmente, pois a morte deve ser natural. Ela é a única certeza da vida!

Não quero interjeições do tipo: "Ela era TÃO jovem!" "ela lutou tanto e não adiantou!" "Que tristeza!" "Coitado do filho dela!" E tampouco quero meus amigos e minha família tristes. Pelo contrário, quero uma bela  festa com um bom samba e quero que cuidem/acompanhem o Lucas sempre com felicidade porque  ele é muito alegre e merece seguir assim!

Naquela época comecei a escrever porque a  doença me faz refletir. Na verdade,  a doença me dá  algo que muitos de  nós não valorizamos: a esclerose e a possibilidade de ficar ruim a  qualquer momento me dá a chance e a garra pra aproveitar cada segundo, mesmo que passando mal (tonta, com dor, sem sentir os braços e pernas) como se fosse o único,  o último bom e são! Eu não gostava de fotos. Agora, as amo! Elas  ficam pra posteridade. Elas captam a  essência dos momentos! A esclerose, sobretudo, me dá múltiplas possibilidades de agradecer, de me despedir e de dizer te amo a todos que desejo e, da mesma forma, de receber isso das pessoas que gostam de mim! Minha avó morreu há 3 anos e fico triste de não ter ido vê-la. Ali comecei a entender verdadeiramente o que está culminando nesse texto! Que tudo passa, a gente também passa! A questão não tem que ser a morte e sim a força e a vontade com que se vive!

Em 2015, parei e chorei 5 horas sozinha dentro do quarto e parece que consegui progredir mais do que em anos de EM e terapia. Acho que finalmente entendi que  existem coisas que não são controláveis e que morrer ou entortar não é derrota alguma e, sim, fatalidade! SE E QUANDO ISSO OCORRER, A CULPA NÃO VAI SER MINHA! Eu não vou ter perdido a guerra, mas sim, ganhado anos de batalhas.

Uma vez... o chefe do meu chefe (grande homem) me disse: "você pode até morrer da doença, mas não pode deixar ela te vencer!" E é por isso, que tonta ou não, triste ou não, sozinha ou não, vou viver até o FIM! É assim que quero que as pessoas me vejam! Sem pena! E que saibam que eu não guardo rancor e ressentimento de NINGUÉM! Assim eu me despeço e vou curtir a noite, porque a vida segue e o tempo não pára!