quarta-feira, 16 de março de 2016

EM gravidez...

"O passado passou só de passagem pela passarela de minha pasmaceira, ai agarrei-me ao presente para não fazer besteira e continuar pro futuro, mesmo sem eira e nem beira..."
(Odair Flores)

Muitas mulheres esclerosadas se perguntam se podem engravidar. Esse foi o caso, inclusive, da atriz Claudia Rodrigues. Pois bem, em termos médicos, esclerosadas estão totalmente aptas a gerar filhos, apresentando, em geral, estagnação ou até melhora durante o período gestacional. O maior problema tende a ser o pós-parto. Mas, nada que não possa ser contornado com acompanhamento médico. Diante disso, meu objetivo aqui não é falar sobre as possibilidades médicas (até porque, não sou especialista), mas, contar como vem sendo a minha experiência em ser mãe. 

Há exatos 5 anos, eu havia acabado de me separar e, apesar de toda a depressão e falta de apetite que problemas no relacionamento sempre me causaram, comecei a sentir uma fome enlouquecedora! Fome de salada, de feijão, de fígado! Coisas que eu quase nem comia! Além disso, era carnaval e eu estava saindo, fumando e bebendo, ou seja, abusando muito! Num sábado, então, dia 12/03/2011, senti muita cólica, sendo obrigada a faltar ao aniversário de uma grande amiga! Obviamente, achei que era uma simples TPM e não quase um aborto! No jantar, ao devorar uma salada como se fosse um petit gateau, minha mãe "levantou a bola" e eu comprei um teste de gravidez! Eu achei aquela ideia a maior loucura, afinal, ainda nem tinha dado tempo da minha menstruação atrasar direito. No domingo, acordei na casa da minha mãe e logo veio o berro: "mãeeeee, socorroooo! tô grávida!" O mais engraçado de tudo foi a resposta dela: “Ai, Liane, que susto! Era só isso!? Calma! Você é adulta, tem emprego, já se formou!” E eu só pensava: sou separada, e o mestrado? Esclerosada, tomo remédios, e mal cuido de mim!

Lembro que avisei minha irmã e uma amiga, a quem pedi que levasse testes de gravidez para o trabalho. Afinal, eu ainda não tinha acreditado. No dia seguinte, lá estava eu, no banheiro do trabalho fazendo 5 testes de gravidez (todos, instantaneamente, positivos) e ainda dizendo que só podia estar errado! Dali, saímos à caça de um local para fazer teste sanguíneo de beta hcg! E nada de eu encontrar isso por perto do trabalho, ainda mais sem pedido médico e escondida dos colegas e do chefe. Enfim, marquei um ginecologista para menos de 24h. Depois, suspendi por conta própria o betaferon (medicamento que usava para esclerose, na época). E lá fui eu, no dia seguinte, aceitar, através de um ultrassom, que realmente estava G-R-Á-V-I-D-A!

Daí em diante, um mix de coisas aconteceu: 1) decidi ter a criança, 2) liguei pro pai da barriga (meu atual marido e excelente pai), 3) liguei pro MEU pai e 4) liguei pro meu anjo (o neurologista, doutor Maurice Vincent)! Marquei uma consulta com ele que disse calmamente: "Sua EM está dormindo há 6 anos, desde que você a descobriu. Suspenda tudo! Seja uma grávida totalmente normal! Amamente! Apenas, observe se algo mudar!" Passei os 9 meses muito enjoada, com uma azia insuportável, mas sem nem pensar em esclerose. O que, naquela época, eu fazia magistralmente: ignorava que era esclerosada e parecia que, assim, a doença também me ignorava! Que bom que, além de grande médico, o doutor Maurice é bastante zen, pois acho que, se não o fosse, talvez me alertasse de coisas (como o risco de surtos no puerpério) que pudessem me deixar mais nervosa e, quiçá, me fazer surtar! Acho que todos já  ouviram que "ignorância é uma benção"!

Fui à feira de gestante com minha mãe e irmã, montei o quarto do bebê decorado, comprei coisas em brechó, separei roupas por tamanho, fiz um “charrasco" de bebê pra família e amigos, etc. Tudo e até mais do que uma mãe normal faria e um bebê normal precisaria! Cheguei a fazer hidroginástica como qualquer grávida em piscina aquecida. Resultado: durante toda a gravidez, a única coisa anormal que senti foi dormência na perna direita, que atribuí à EM e à água quente da hidro, mas que se mostrou, com o tempo, ser o peso da barriga tendendo para esse lado. Ou seja, nem tudo é esclerose, e o limite entre o "ser e o não ser é a questão". Porque, de fato, é bastante tênue! 

Se me perguntassem hoje:
Foi difícil estar grávida? Diria que foi a parte mais simples, apesar de ter tido um pré-natal maluco. Ele incluiu desde tomografia com administração de contraste nas primeiras semanas de gestação, enjoos, azia, quedas de pressão, troca de médicos devido a problemas com plano de saúde, falta de exames cardíacos do bebê, por questões de desatualização médica, até o ápice, minha mãe e irmã, “invadindo” a maternidade com malas, à 0h, voltando de Gramado! Percebam que a EM pouco foi notada!
Você teria outro filho? Com certeza! Mesmo sabendo que posso ter problemas no pós-parto. Inclusive, afirmo isto apesar de estar em surto e saber que o ideal é permanecer 2 anos sem surto antes de engravidar. Arriscaria, sem arrependimento. Mas, dessa vez, de forma programada e com TOTAL acompanhamento médico.
Você se arrepende por ter engravidado sem querer? De forma alguma! Na verdade, acredito que, se não fosse assim, provavelmente, nem teria sido mãe até hoje, pois costumo pensar MUITO, e agir POUCO. 

Lucas nasceu em outubro de 2011, de cesareana, com 4,050 kg e 52 cm, TOTALMENTE SAUDÁVEL, no calor forte do Rio de Janeiro. Eu, por minha vez, fui mãe como qualquer outra que cuida, dá banhos, troca fraldas, passeia, vai ao pediatra e fica sozinha, por vezes, com o bebê. Fiquei de licença e amamentando até que ele completasse 10 meses! Tirei fotos e fiz álbuns e comemoração de “mesversários” todos os meses! Se não bastasse ter sido mãe, aos 10 meses, Lucas abriu a cabeça ("coisinha leve": 38 pontos e um escalpo parcial). Além disso, essa foi uma fase bem tensa para a saúde do meu pai, eu havia retornado ao trabalho e ainda almejava concluir o meu primeiro mestrado. Somando a tudo isso os exames necessários para retomar o tratamento da EM, só voltei a ser medicada para a doença e, de fato, a pensar em esclerose, no final de 2013, ou seja, mais de 2 anos depois do parto.


Não posso deixar de mencionar que tenho um super apoio do meu marido e também da minha família. Ainda que eles não entendam como é ter esclerose e como ela mexe, inclusive, com meu emocional, sempre tentam me ajudar da melhor forma que podem. Muitas vezes, não é a forma que eu espero, desejo ou que é mais imprescindível, mas “toda ajuda é sempre bem-vinda”. Essas presenças têm sido essenciais desde 2013 quando, inicialmente, comecei a ficar tonta, o que culminou numa grande insegurança e em um “belo” surto em 2015. Atualmente, não fico sozinha com meu filho, não por não conseguir SEMPRE, mas por ter medo que alguma emergência ocorra e que ele não tenha discernimento para agir com seus poucos anos de idade. Nesse ponto, a presença do meu marido é crucial e acontece em quase todo o tempo que ele tem disponível. Não acho que isso diminua a minha luta diária, mas a torna, certamente, mais fácil e, quiçá, possível.

Com tudo o que aconteceu na minha gravidez, só posso dizer que, acho maravilhoso e favorável que esclerosadas gerem seus filhos e sejam mães. Dizem por aí que sou guerreira... Pois eu digo a vocês que guerreiro é meu filho. Diante de tudo o que passou e passa, vence barreiras a cada dia e sempre sorrindo! É olhando para ele que eu vejo o quanto desistir seria um ultraje! Uma injustiça! Contudo, não seria hipócrita de dizer que é SEMPRE fácil. Na verdade, raramente o é, mas é MARAVILHOSO! Aprendi com o nascimento de Lucas que tudo o que tem que ser é! E que, se o passado não volta e o futuro não nos pertence, temos de viver o hoje da melhor forma possível. Sei que não sou nem de longe a melhor das mães e tampouco convencional, mas sei que sou, a cada dia, a melhor que posso ser e aprendi a me aceitar e ser feliz com isso! E mais importante: essa aceitação não tem relação apenas com a esclerose múltipla! Hoje, vivo tentando saborear o queijo suíço, em vez de lamentar seus buracos. E o melhor de tudo é que sou acompanhada e, por vezes, guiada pelo meu pequeno grande príncipe de 4 anos!